O mais difícil é se jogar no abismo. O emaranhado de cordas, mosquetões, tecidos sintéticos e ligas de alumínio garante a sustentação no ar. Ainda assim, um salto no despenhadeiro não passa imune. Antes e pisar em falso no céu, o que salta é o frio na espinha.
Depois, tudo é lucro. O parapente ascende aos céus, jocoso, tal qual uma barraca de camping inflada, e dá conta da missão: planar enquanto puder até desabar sob controle.
Aqui, em Arraial d' Ajuda, a asa de nylon em formato de casca de banana, dobra à direita quando despenca das falésias da praia da Pitinga. E segue, então, margeando o litoral sobre a ribanceira.
“O vento vem do mar, bate no paredão, sobe e escora os voo. É o que dá sustentação e levanta as asas”, grita comigo, Besouro, piloto do Eco Parapente Brasil que, agora, tem minha vida em suas mãos. Com mais de 25 mil horas de voo, diz que as falésias da Pitinga, as maiores da Bahia, legaram a praia de Arraial d’ Ajuda a fama de ser um dos melhores destinos para voos do gênero no país.
Com as pernas sacudindo, flanamos em idas e vindas, margeando o paredão de mais de 40 metros de rocha ocre (um edifício de 15 andares). O medo vai embora quando me dou conta da estabilidade do mostrengo alado e do controle do piloto, que o conduz para onde quer, puxando e levantando cordinhas que fazem as vezes de um volante de rédea curta.
Da Pitinga, ainda em Arraial, rumamos ao sul, no sentido de Trancoso, recortando o céu na perspectiva das gaivotas sobre as praias da Lagoa Azul, de Taípe e do Rio da Barra.
Com os corpos amarrados um no outro planando no céu, eu o piloto rimos entre implicâncias e logo o voo panorâmico se transforma numa conversa de bar, ainda que sem chão para escorar um pé de mesa bamba.
Arraial d' Ajuda é uma das vilas turísticas do município de Porto Seguro - ainda tem Caraíva, Trancoso e a região do Vale Verde. Como aprendemos na escola, foi por aqui que os portugueses desembarcaram em 1500, quando des-cobriram o Brasil.
O que é verdade, já que a região era mesmo coberta de mata atlântica nativa, embaúba, coqueiro, palmeira, amendoeira, mangue e riacho de água potável, desaguando num marzão azul-turquesa bem fornido de pescado, caça e paz de espírito; sem trânsito, milícia, ou sertanejo universitário tocando nos quiosques.
Sobraram algumas praias nativas, claro - caso da Pitinga. Mas longe, bem longe do burburinho de Porto Seguro, lugar onde não se deve ficar (de maneira nenhuma), mas por onde se deve passar (de alguma maneira).
Talvez por isso, eu esteja aqui, bem longe das caixas acústicas de quatro falantes de 12 polegadas, 60 metros acima dessa terra outrora habitada por Tupis, surrupiada em nome de uma promessa de civilização. Mas, eu falava do parapente!
A quem interessar, enfim, nas curvas fechadas, quando ele inclina uns 90 graus na lateral, sopra um tufão rouco no estômago que engatilha num vazio existencial por alguns segundos que duram horas.
Ainda assim, vale. Até mesmo para caçoar dos nossos medos. Para se jogar da ribanceira, mesmo. Sobre os excessos de segurança que nos encarceram em qualquer porto seguro (eu prefiro Arraial!)
Na dúvida, voemos.
Para voar em Arraial d’Ajuda
🪂 Eco Parapente Brasil | Ricardo Campos (Besouro)
🪂 Escola de Parapente Pitinga | Ivan Bla
🪂 Voa Parapente | Victor Chinen
⛱ Arraial d’Ajuda (BA), onde ficar: melhores praias, pousadas e hotéis em 2023
🎞 Curadoria de Bordo
Como não lembrar?
Direto de 1984, o Sonho de Ícaro voa além da injustiçada etiquetagem de “música brega”. Nas palavras do interprete (a composição não é do Biafra!), a letra transita pelo “realismo fantástico” . O que faz sentido. Até por não fazer. Ainda assim, vai escrever compor uma melodia dessas! Vai alcançar, no gogó, uma nota dessas!
📰 Deu no Substack
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✔O que ainda encanta uma das esquinas de um centro dizimado, mas resiliente em
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